Internacionalistas apontam avanços promovidos pelo Brasil à frente do G20, mas reforçam que incertezas sobre comunicado final ainda pairam no ar
A Cúpula de Chefes de Estado é o momento derradeiro do ano de negociações do “Grupo dos Vinte”. O encontro de líderes começa nesta segunda-feira (18) e está previsto para terminar na terça-feira (19).
Ao longo dos últimos meses, a chamada “Trilha de Sherpas” do G20 buscou debater e alinhar uma série de questões para cooperação global. Os temas discutidos pelos sherpas – os diplomatas escolhidos para representar os Estados membro – vão de comércio e corrupção a turismo e saúde.
Agora, a Cúpula deve formalizar um comunicado que condense e firme um compromisso com as decisões acordadas entre os emissários. A avaliação do governo brasileiro é de que a declaração do G20 deste ano deve ser mais promissora do que as produzidas em anos anteriores.
Internacionalistas ouvidos pela CNN concordam que a presidência brasileira do G20 foi capaz de promover debates mais amplos e mobilizações mais concretas do que a Índia e a Indonésia, que presidiram o grupo em 2023 e 2022, respectivamente. Porém, relembram que o comunicado depende de consenso entre todas as partes.
A exemplo desse imbróglio, as negociações da Trilha de Sherpas, que estavam previstas para serem concluídas na sexta-feira (15), tiveram de ser estendidas ao longo do final de semana por dificuldades de concordância sobre alguns temas.
“Decerto continuará havendo entraves, especialmente no que concerne aos temas ambientais e de saúde, assim como os financeiros. Nada que não possa ser negociado, contudo”, diz Antonio Jorge Ramalho da Rocha, coordenador do curso de Relações Internacionais (RI) da Universidade de Brasília (UnB).
Foco em prioridades estratégicas
Ainda assim, Ramalho reforça que, tendo em vista o que foi visto até o momento, o conjunto de declarações do G20 está “mais abrangente e mais estrito nos compromissos”.
Dentre os temas debatidos pelo G20, a agenda brasileira tinha alguns destaques. Como presidente rotativo do bloco, o Brasil buscou coordenar esforços pela retomada da cooperação internacional, com enfoque em questões climáticas e de financiamento ao combate a catástrofes; de desigualdade, pobreza e fome; e de governança global.
Ao olhar para essas questões, Carolina Pavese, doutora em RI pela London School of Economics, acredita que o Brasil acerta adotar uma agenda mais inclusiva e alinhada às demandas do Sul Global. “Isso evita polarizações e conflitos diretos, como os observados entre Estados Unidos e China.”
Nesse sentido, nota-se como as discussões coordenadas pelo Brasil vêm sendo mais incisivas que as encabeçadas por seus antecessores na presidência do G20, segundo Thais Scharfenberg, internacionalista especialista em desenvolvimento sustentável, ESG e políticas públicas, que está no Rio de Janeiro acompanhando os debates do grupo.
“O governo brasileiro colocou o foco em prioridades estratégicas. O G20 na Indonésia, realizado no contexto da invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022, foi marcado por divisões diplomáticas, resultando em uma declaração final que, embora condenasse a invasão com apoio da maioria dos membros, expôs a fragilidade do grupo. Já a cúpula da Índia enfrentou múltiplas crises geopolíticas e econômicas, mas a Declaração de Nova Délhi ficou aquém, sem acordos concretos ou ações definidas”, pontua a integrante de grupo da ONU de Comunidades Discriminadas por Trabalho e Descendência.
Scharfenberg e Ramalho destacam a criação da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza como um dos principais legados do Brasil como presidente do G20.
Na sexta, o ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias, deu uma prévia sobre os acordos que ainda devem ser formalizados em relação à força-tarefa. Segundo Dias, a iniciativa já conta com apoio de 41 países e 13 organizações internacionais; e mira atingir 500 milhões de pessoas no mundo.
“Apesar da adesão ser voluntária, a iniciativa vai além das declarações de intenção, trazendo impactos concretos e reforçando a relevância do grupo em um momento de necessidade urgente por respostas globais eficazes”, avalia a especialista em desenvolvimento sustentável.
Scharfenberg diz ver uma “janela de otimismo” de que declaração deve trazer resultados concretos não apenas reafirmando compromissos, mas permitindo soluções práticas para questões como segurança alimentar, financiamento climático e inovação tecnológica.
Para tal, Pavese observa que o Brasil perece estar adotando uma estratégia diplomática eficaz. “Optar por uma declaração final mais concisa, facilitando sua aprovação. Compromissos mais específicos e detalhados são deixados para outros documentos finais, reduzindo o risco de impasses.”
Porém, fato é que o clima de incerteza tem piorado nos últimos dias.
Os impasses da Cúpula
A abordagem dos Estados membro do G20 sobre a geopolítica é um dos principais pontos de divergência. Dentro deste cenário, conflitos como os da Ucrânia e do Oriente Médio são tópicos sensíveis.
Em geral, as economias desenvolvidas tendem a apoiar o que chamam de “direito de defesa” da Ucrânia e de Israel. Enquanto isso, alguns membros do bloco defendem um tom mais crítico com ambas as partes de ambos os conflitos.
O impasse impede um posicionamento mais taxativo no comunicado final, que depende de consenso.
Outro tópico que vinha gerando atrito é a proposta apresentada pelo Brasil de taxar os super-ricos para financiar o combate às mudanças climáticas. Com taxação de 2% da fortuna dos cerca de 3 mil bilionários do mundo, a expectativa é de que a medida gere arrecadação de US$ 250 bilhões.
“A proposta de taxação global dos super-ricos para financiar o enfrentamento das desigualdades sociais e da mudança climática é um tema polêmico, que depende de uma coordenação legislativa improvável de acontecer em um grupo tão heterogêneo de países soberanos”, argumenta Alexandre Pires, professor de RI e economia do Ibmec.
O assunto, porém, havia sido endereçado em julho numa declaração conjunta do G20. No sábado (16), a declaração final do G20 Social reforçou cobrança aos Chefes de Estado sobre a taxação dos super-ricos.
O problema é que a diplomacia argentina passou a tratar do assunto como uma “linha vermelha”. O que se discute é a possibilidade de a mudança de postura ter sido influenciada pela vitória de Donald Trump nas eleições dos Estados Unidos. O presidente Javier Milei é um declarado apoiador do republicano.
“Os pontos de convergência já estavam, em grande parte, definidos previamente. A mudança da posição da Argentina sobre a taxação das grandes fortunas é um claro indicativo do impacto da vitória de Trump na política internacional. Há quem especule que essa postura tenha como objetivo se contrapor à de Biden, sinalizando a Trump que ele conta com um aliado na América do Sul”, observa Carolina Pavese.
A doutora em RI pela London School of Economics relembra que o processo decisório do G20 se baseia no consenso, de modo que a Argentina pode obstruir a inclusão desse ponto caso verbalize sua oposição, em vez de optar pela abstenção.
“De qualquer forma, a vitória de Trump tende a impulsionar os países contrários à sua agenda a adotar uma declaração mais ambiciosa, ampliando os custos políticos que Trump terá de arcar caso decida enfraquecer essas pautas e se isolar nos fóruns multilaterais ao assumir o cargo”, conclui Pavese.
Outros assuntos sobre os quais os argentinos têm divergido são igualdade de gênero, desenvolvimento sustentável, reforma de organismos multilaterais e combate às mudanças climáticas.
Desse modo, diplomatas ouvidos pela CNN apontam que a hipótese de um fracasso existe, mas é remota.
“Para superar essas barreiras, será necessária uma forte articulação e pressão dos membros do G20 para consolidar acordos como o de outubro deste ano, que buscou tornar os bancos multilaterais mais eficientes e com maior capacidade de empréstimo”, afirma Thais Scharfenberg.
Acompanhando as discussões no Rio de Janeiro, a integrante de grupo da ONU diz que “na visão de alguns diplomatas, apesar dos pontos de discordância [da Argentina] em relação à questões como a igualdade de gênero, não haverá uma tentativa deliberada de enfraquecer a declaração em si”.
Legado
“O sucesso final dependerá da capacidade de obter compromissos concretos em áreas como financiamento climático e reformas no FMI e Banco Mundial; e mesmo avançar na discussão da taxação de grandes fortunas, temas onde há divergências profundas”, pontua Pavese.
De fato, há assuntos que seguem em aberto, uma vez que estamos tratando de processos de construção de entendimentos e regras globais. Ainda assim, a exemplo da constituição da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, os especialistas ouvidos pela CNN avaliam como positivo o legado que o Brasil deixa como presidente do G20.
Outras iniciativas criadas durante a presidência brasileira incluem a Força Tarefa de Mobilização Global contra a Mudança do Clima, a Coalizão Global de Planejamento Energético e o G20 Social.
“Demos vários passos positivos na direção correta, inclusive por envolver atores da sociedade civil de forma substantiva nessas negociações. “, defende Antonio Jorge Ramalho, da UnB.
Thais Scharfenberg relembra que o Brasil presidirá o Brics e sediará a COP30 em 2025, o que coloca a diplomacia brasileira em posição estratégica para dar continuidade a muitos dos temas debatidos neste G20.
“Em relação ao clima, o Brasil procurou estabelecer uma base para a COP30. As crises de hoje demandam uma ação conjunta que reflita uma reforma na governança global”, conclui a internacionalista.
Com informações de Danilo Moliterno, Fernando Nakagawa e Pedro Zanatta, da CNN Brasil
Fonte: CNN Brasil