Foto: Joédson Alves/Agência Brasil
Por Hieros Vasconelos
O Brasil se despede de mais um ano com um retrato preocupante da vida financeira da população. São 80,6 milhões de pessoas inadimplentes, a maior marca histórica do país pelo 11º mês consecutivo, segundo levantamento mais recente da Serasa. Ao todo, o país acumula 321 milhões de dívidas negativadas, que somam aproximadamente R$ 511 bilhões em débitos. Por trás desses números estão histórias de perda de renda, crédito caro, desemprego, informalidade e dificuldade de reorganizar o orçamento em um cenário ainda marcado por juros elevados e custo de vida pressionado.
Na Bahia, o cenário é ainda mais sensível. O estado chega ao fim do ano com cerca de 5 milhões de pessoas com o nome negativado, o que representa 43,97% da população adulta. Na prática, isso significa que quase metade dos baianos deve virar o calendário para o Ano Novo convivendo com dívidas em aberto, restrições de crédito e dificuldades para reorganizar a vida financeira logo nos primeiros meses do ano.
Em números absolutos, a Bahia aparece entre os estados com maior volume de pessoas inadimplentes do país, ficando atrás apenas de unidades mais populosas, como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. No Nordeste, lidera o ranking em quantidade de consumidores com o nome negativado. Quando o recorte é proporcional, o estado não ocupa o topo nacional, mas ainda assim apresenta um índice elevado, acima da média brasileira, o que evidencia a dimensão do problema e o impacto direto sobre a economia local.
Os dados da Serasa apontam que o setor bancário segue como o principal responsável pelas dívidas em atraso. Cartões de crédito, empréstimos pessoais e cheque especial concentram a maior parte dos débitos, impulsionados pelos juros elevados e pelo uso recorrente do crédito como complemento de renda. Em seguida aparecem contas básicas, como água, luz e gás, além de telefonia e internet. O comércio também figura entre os principais credores, especialmente em compras parceladas de eletrodomésticos, móveis e itens de consumo cotidiano.
O valor médio das dívidas dos consumidores baianos gira em torno de R$ 4 mil por pessoa, mas muitos acumulam mais de um débito, o que torna o processo de negociação ainda mais complexo. Em grande parte dos casos, a inadimplência não surge de um único gasto elevado, mas da soma de pequenas despesas feitas ao longo do tempo, que acabam se tornando impagáveis diante de imprevistos, perda de renda ou aumento das despesas fixas.
Segundo a Serasa, o avanço da inadimplência está diretamente ligado à dificuldade das famílias em equilibrar o orçamento mensal. Muitos consumidores recorrem ao crédito para pagar despesas essenciais, como alimentação e contas domésticas, criando um ciclo de endividamento difícil de romper. A orientação é que os devedores busquem negociação o quanto antes, priorizando dívidas com juros mais altos, como cartão de crédito e cheque especial, e aproveitem programas de renegociação e feirões que oferecem descontos expressivos.
Para um educador financeiro ouvido pela reportagem, o início do ano costuma ser um período crítico para quem já está endividado. Além das dívidas acumuladas, janeiro traz
despesas típicas, como impostos, material escolar e reajustes de serviços. Segundo ele, o primeiro passo para quem deseja começar o ano com o nome limpo, ou ao menos em processo de recuperação, é ter clareza sobre a própria situação financeira. Isso envolve listar todas as dívidas, identificar valores, taxas de juros e prazos, e entender o que é prioridade no orçamento.
O especialista destaca que negociar é sempre melhor do que ignorar a dívida. Muitas empresas e instituições financeiras oferecem condições mais vantajosas para pagamento à vista ou parcelamentos mais longos, com juros reduzidos. Outra recomendação é evitar assumir novos compromissos financeiros enquanto as dívidas antigas não estiverem sob controle, mesmo quando o crédito volta a ser oferecido após uma renegociação inicial. Para ele, criar uma reserva mínima para emergências é fundamental para evitar o retorno à inadimplência poucos meses depois.
Entre os baianos endividados, o sentimento é de apreensão, mas também de tentativa de recomeço. Moradora de Salvador, uma trabalhadora do setor de serviços relata que passou a usar o cartão de crédito para cobrir despesas básicas após uma redução na renda. Quando percebeu, já não conseguia pagar o valor total da fatura e teve o nome negativado. Hoje, busca negociar as dívidas para recuperar o acesso ao crédito e iniciar o novo ano com mais tranquilidade.
Em Feira de Santana, um vendedor autônomo conta que a inadimplência veio após um período de doença e queda nas vendas. Segundo ele, o maior desafio é lidar com os juros, que fazem a dívida crescer mesmo sem novos gastos. A expectativa é conseguir um acordo que permita parcelar os débitos sem comprometer totalmente a renda mensal.
Especialistas alertam que o endividamento em massa vai além de um problema individual. Ele afeta o consumo, desacelera a economia e amplia desigualdades, especialmente em estados com grande parcela da população em situação de informalidade, como a Bahia. Por isso, iniciativas de educação financeira, renegociação de dívidas e acesso a crédito mais responsável são apontadas como fundamentais para reduzir o número de pessoas com o nome negativado.


