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Engasgo matou mais de 800 idosos na Bahia em uma década

Engasgo matou mais de 800 idosos na Bahia em uma década

Foto: Romildo de Jesus/Tribuna da Bahia


Por Hieros Vasconcelos

Problema silencioso e mais perigoso do que costuma parecer, o engasgo voltou ao centro do debate médico nacional durante o 55º Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial, realizado pela ABORL-CCF. Entre apresentações técnicas, análises clínicas e mesas sobre envelhecimento, ganhou força um dado preocupante: o engasgo já é a quarta principal causa de morte por obstrução das vias aéreas em pessoas idosas, segundo pesquisa apresentada pela fonoaudióloga e professora da Unicamp, Lucia Figueiredo Mourão. Embora não seja novo, o tema ganhou dimensão porque muita gente ainda confunde engasgos repetidos com “coisas da idade”, quando na verdade se trata de um sinal de alerta que exige atenção imediata, conforme apontaram especialistas.

Na Bahia, dados recentes da Secretaria de Saúde do Estado (Sesab), no recorte de 2016 a 2025, mostram que 817 idosos morreram por engasgo no período analisado. As faixas etárias mais avançadas concentram a maior parte dos casos: foram 413 óbitos entre pessoas com 80 anos ou mais, além de 140 mortes entre 75 e 79 anos, 116 entre 70 e 74, 81 na faixa de 65 a 69 e 67 entre 60 e 64 anos. Conforme geriatras, à medida que a idade avança, cresce também a vulnerabilidade do organismo a episódios aparentemente pequenos — tosses fora do lugar, engasgos discretos, momentos que podem rapidamente evoluir para obstrução grave das vias aéreas.

De acordo com o 55º Congresso, casos de disfagia em idosos têm chamado atenção pela progressão rápida entre dificuldade leve de engolir e risco de engasgo grave. Hospitais de referência, como o Hospital das Clínicas da USP, o InCor e unidades da Unicamp, observam que mudanças sutis no corpo — redução da saliva, perda de força na língua e na musculatura da garganta — podem dificultar a formação do bolo alimentar e tornar a deglutição mais arriscada. Ao mesmo tempo, hábitos simples do dia a dia muitas vezes não acompanham essas transformações, e é aí que mora o perigo.

De acordo com Lucia Figueiredo Mourão, o engasgo durante a alimentação, embora não seja o sintoma mais frequente no processo de envelhecimento, representa um risco considerável para a população 60+, especialmente para aqueles acima dos 71 anos. Ela explica que muitos familiares tendem a normalizar a tosse ou pequenos engasgos durante as refeições como “questão da idade”. “Engasgar, definitivamente, não é normal. O organismo costuma se adaptar às mudanças do processo de envelhecimento e, quando a tosse ou o engasgo se tornam frequentes, isso precisa ser visto como um sinal de alerta”, afirma.

Durante o Congresso, especialistas destacaram que a postura durante a refeição é um dos pontos mais citados pelos serviços de disfagia. Estar sentado com o tronco ereto, a cabeça alinhada e os pés apoiados no chão ajuda o corpo a coordenar a mastigação e a deglutição. “Um ambiente tranquilo, sem distrações excessivas, também faz diferença. A conversa

continua importante, mas é preciso permitir que a atenção esteja voltada para o ato de comer, principalmente para quem já apresenta episódios de tosse durante as refeições”, destacam.

Em instituições que acolhem idosos, alguns cuidados precisam ser rotina: pequenas pausas entre as garfadas, porções menores e um ritmo mais lento ajudam a evitar que pedaços grandes cheguem à garganta antes de estarem bem triturados.

Engasgo pode ter relação com envelhecimento, hidratação e até prótese dentária

Outro ponto frequentemente destacado pelos centros de referência é a relação entre envelhecimento e hidratação. Com o passar dos anos, o corpo produz menos saliva, o que dificulta a formação do bolo alimentar e aumenta o atrito, sobretudo com alimentos secos, como farofa, arroz, torradas e carnes muito firmes.

Umedecer preparações, optar por texturas mais macias e garantir que a hidratação seja constante ao longo do dia são estratégias simples e eficazes. O risco não está apenas nos sólidos: líquidos têm velocidade maior de passagem e podem desencadear engasgos intensos, especialmente quando ingeridos em grandes goladas. Pequenos goles, em ritmo mais calmo, tendem a ser mais seguros.

Segundo a fonoaudióloga Lúcia Figueiredo Mourão, água e saliva estão entre os elementos que mais causam engasgos, devido à rapidez com que escorrem pela garganta. Já os alimentos sólidos também são perigosos, pois podem provocar obstrução total das vias aéreas. “Carnes mal mastigadas e alimentos secos, como arroz e farofa, são perigosos. Por isso que, em muitos churrascos, as pessoas se engasgam”, disse.

Para reduzir o risco, é fundamental que a família e os cuidadores estejam atentos durante a alimentação da pessoa idosa. A médica destaca a importância da mastigação adequada, já que pedaços grandes aumentam o risco, e da boa hidratação, uma vez que o envelhecimento reduz a produção de saliva, dificultando a formação do bolo alimentar. “Estimular o consumo de água é fundamental, assim como evitar conversas, distrações e risadas enquanto a pessoa idosa mastiga. Embora o ato de comer faça parte do convívio social, é preciso ter atenção redobrada nessa fase da vida”.

As próteses dentárias também entram nesse conjunto de fatores que podem elevar o risco de engasgo. Gengivas mudam com o tempo, e próteses que antes estavam bem adaptadas podem se tornar instáveis, prejudicando a mastigação. Segundo a pesquisadora da Unicamp, próteses mal ajustadas aumentam a chance de engasgo. “Com pequenas adaptações e maior atenção, é possível reduzir significativamente o risco de engasgos e garantir refeições mais seguras para a pessoa idosa”, diz. 

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