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Preços dos alimentos disparam e renda dos brasileiros não acompanha; entenda por quê

Preços dos alimentos disparam e renda dos brasileiros não acompanha; entenda por quê


Levantamento feito pelo g1 mostra que, enquanto a renda média do brasileiro subiu 19,7% em três anos, os alimentos ficaram 41% mais caros. Preços de alimentos exibidos em supermercado no Rio de Janeiro.
REUTERS/Ricardo Moraes
Se antes da pandemia os brasileiros já sofriam para dar conta da feira e do supermercado, nos últimos três anos virou um verdadeiro malabarismo tentar não comprometer tanto o orçamento com a cesta de alimentos.
Mas a renda dos trabalhadores não tem acompanhado a escalada de preços. Mesmo quando os salários são reajustados pela inflação, a defasagem continua, porque os alimentos têm subido acima dela desde a pandemia. Assim, o poder de compra fica comprometido, ou seja, o que as pessoas ganham não acompanha a alta dos alimentos.
Levantamento feito pelo g1 mostra que, enquanto a renda média do brasileiro subiu 19,7% em três anos, os alimentos ficaram 41,5% mais caros.
Veja o que mostram os dados:
Em outubro de 2019, o rendimento médio mensal do trabalho era de R$ 2.301
Em outubro de 2022, esse rendimento era de R$ 2.754 – uma alta de 19,68%
No intervalo entre esses meses, a inflação ficou em 22,45%
Já os alimentos subiram 41,5%
Cesta básica e rendimento
O resultado dessas altas desiguais é que a cesta básica vem comprometendo uma fatia maior da renda das famílias.
Dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) mostram que, em outubro de 2019, 43,8% do salário mínimo era comprometido com a compra da cesta básica. Neste ano, essa fatia cresceu para 58,78%.
Em 2019, o brasileiro precisava trabalhar, em média, 88 horas e 39 minutos para comprar os produtos da cesta básica. Agora, são totalizando 119 horas e 37 minutos.
Considerando o rendimento médio do trabalho, em valores nominais, a fatia comprometida pela cesta básica passou de 20,6% para 27,7%. Os dados consideram o valor da cesta básica apurado na capital paulista, o mais alto encontrado pelo Dieese.
Veja no gráfico abaixo:
Os vilões da alta dos alimentos
André Braz, coordenador dos índices de preços do FGV Ibre, aponta que a inflação dos alimentos tem sido praticamente o dobro da inflação média, calculada pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Nos acumulado em 12 meses até novembro deste ano o IPCA ficou em 5,90%, enquanto os alimentos subiram 11,84%.
O g1 não fez a comparação do rendimento médio com a inflação de novembro porque os dados do mercado de trabalho só serão divulgados pelo IBGE em janeiro próximo.
“Os salários são orientados pelo IPCA geral ou INPC. Então quem ganha muito pouco e recebe um aumento orientado pelo IPCA médio vai ter perda da qualidade de vida porque não vai conseguir repor a cesta de consumo, composta por alimentos que acumulam o dobro da inflação, e isso vem piorando ao longo dos últimos anos”, explica o economista.
Entre os motivos citados por Braz para a alta dos alimentos estão episódios climáticos que prejudicaram a agricultura, a crise hídrica que afetou o preço da energia elétrica e a guerra entre Rússia e Ucrânia que reduziu a oferta de milho, trigo e soja.
Braz cita ainda a alta do diesel, que é o combustível usado pelas máquinas no campo e para escoamento da produção agrícola, além da alta de derivados do petróleo como agrotóxicos, adubos e fertilizantes. “Então a produção de alimentos é desafiada pelo custo dos insumos básicos para o plantio, pelo custo do frete e pela própria força de trabalho”, afirma.
Para Bruno Imaizumi, economista da LCA Consultores, a alta do dólar, a seca de 2021 e a escassez de insumos afetaram a produção de alimentos. E o encarecimento do preço dos barris de petróleo em 2021 e neste ano também tiveram grande influência sobre os preços.
Imaizumi aponta também que a desvalorização do real ante o dólar chegou a 31,5% entre janeiro de 2020 e 12 de dezembro deste ano. “Tivemos também a maior seca do último século no ano passado, o encarecimento das commodities após as expectativas de vacinação e a guerra na Ucrânia que encareceu as commodities energéticas e agrícolas”, diz.
O economista do FGV Ibre afirma que as hortaliças e legumes, o açúcar, os derivados do leite e do trigo acumulam uma inflação elevada. E os únicos itens que não têm subido tanto de preço são as carnes. Porém, elas pararam de subir recentemente e se estabilizaram em um nível de preços mais alto.
Alta dos juros desacelera a inflação
“A tendência para 2023 é que haja uma desaceleração no ritmo de alta de preços, porque a inflação subiu no mundo inteiro, vários países estão vivendo uma inflação mais forte, como os Estados Unidos. Então a elevação da taxa de juros limita a demanda e o consumo e ajuda a conter o avanço da inflação”, estima Braz.
O economista lembra que a alta dos juros também penaliza o desenvolvimento. “Com taxas mais altas ninguém vai investir para pagar uma dívida maior, então ao desestimular o investimento há uma redução da demanda”.
Segundo Braz, a queda na demanda e nos investimentos desfavorece o aumento de preços. E como esse cenário é global, isso pode ajudar a esfriar as tensões inflacionárias no Brasil e no mundo.
“O desaquecimento da economia global prevista para os próximos meses em função do aumento de juros é que vai conter um pouco esse processo inflacionário. E a alimentação não está isenta disso, apesar de ser influenciada por outras questões”, diz.
Informalidade afeta renda do trabalhador
Imaizumi afirma que o rendimento médio do real do trabalhador diminuiu porque a qualidade da recuperação das vagas durante a pandemia se deu por meio da informalidade, o que acabou precarizando o mercado de trabalho.
Outro fator que afeta o poder de compra, segundo Imaizumi, é que o reajuste do salário mínimo pelo INPC, que tem praticamente a mesma variação do IPCA (a diferença está no perfil de famílias pesquisadas), não permite que a inflação dos alimentos seja reposta.
“Isso faz com que o reajuste não seja feito de maneira correta, sendo que a alimentação tem um peso maior na cesta das famílias mais pobres. Esses índices de inflação acabam não retratando fielmente a cesta de consumo da maioria dos brasileiros”, diz o economista.
“A gente tem que lembrar que muitos brasileiros vivem na situação de pobreza, então tem essa questão da alta da alimentação dentro do IPCA bem maior que o próprio índice nesses últimos anos. Mas talvez em 2023 a gente tenha um alívio um pouco maior no aumento de preços dos alimentos”, aponta.
Política fiscal também influencia
Braz aponta que a discussão do momento é como a política fiscal será absorvida pelo orçamento. Essa incerteza pode desvalorizar o real frente ao dólar, o que ajuda a potencializar a inflação de duas maneiras.
A primeira é que o país passa a exportar mais. Com o real desvalorizado, todo mundo quer comprar produtos do Brasil porque estão mais baratos – mas, ao mesmo tempo em que o aumento da exportação é bom para a balança comercial, acaba sendo um desafio para a inflação porque isso pode desabastecer o mercado interno, o que pode forçar a alta de preços.
O outro fator é a importação, que também eleva os preços: com o real desvalorizado, o país paga mais caro pelos produtos em dólar, o que gera mais inflação. O trigo é um exemplo, pois é um dos produtos mais importados e matéria-prima para uma série de itens da cesta dos brasileiros, como pão e macarrão.
“Então são vários desafios. O país pode não seguir essa onda de desinflação global com tanta intensidade como em outros países justamente pela fragilidade fiscal e os efeitos negativos que isso pode trazer sobre o câmbio e o preço dos alimentos”, conclui Braz.

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