O governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues (PT), vetou integralmente o Projeto de Lei nº 25.851/2025, que previa a redistribuição das receitas arrecadadas com custas cartoriais no estado. A decisão foi comunicada à Assembleia Legislativa da Bahia (AL-BA) e publicada no Diário Oficial da Casa neste sábado (19). O texto era de autoria do próprio Poder Executivo estadual.
A proposta alterava dispositivos da Lei nº 13.600/2016, modificando os percentuais de repasse dos valores pagos pelos usuários de serviços notariais e de registro. O PL propunha aumentar de 1% para 4% a participação do Ministério Público da Bahia (MP-BA) nas receitas cartorárias, reduzindo de 13,2% para 9,2% a fatia destinada ao Fundo Especial de Compensação (Fecom).
Desde sua aprovação, texto havia gerado forte reação entre entidades cartorárias, que alegavam prejuízos às serventias extrajudiciais e riscos à manutenção de estruturas e serviços.
No documento enviado à AL-BA, Jerônimo justificou que o veto se deu após a identificação de “aspectos que merecem reavaliação mais aprofundada e estudos adicionais”, com objetivo de assegurar “o melhor interesse público”. Jerônimo destacou que as questões problemáticas surgiram com maior clareza durante a tramitação legislativa e defendeu “diálogo contínuo entre os Poderes” e “escuta ativa às instituições envolvidas”.
“Após a tramitação legislativa foram identificados aspectos que merecem reavaliação mais aprofundada e estudos adicionais acerca da alteração pretendida que reservem de possíveis impactos o melhor interesse público. É importante destacar que tais aspectos foram evidenciados com maior clareza no decorrer do processo legislativo, o que reforça a importância do diálogo contínuo entre os Poderes e da escuta ativa às instituições envolvidas na execução das políticas públicas”, disse o governador.
A proposta foi uma “aprovação relâmpago” dentro da Assembleia. A matéria chegou para apreciação dos deputados no dia 17 de junho deste ano, mesma data da última sessão antes do recesso parlamentar. Apesar disso, o projeto foi a plenário e aprovado junto com um “pacotão” de textos do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA).
O presidente do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), desembargadora Cynthia Maria Pina, chegou a prometer que oficiaria o governador antes da sanção, alertando para os impactos da medida no Fundo Especial de Compensação (Fecom), usado para manter cartórios deficitários.
Apesar do veto, o governo afirmou que manterá o compromisso de promover “novos debates e estudos técnicos” para aperfeiçoar o tema.
O veto do governador agora retorna à Assembleia Legislativa, que pode acatar ou derrubar o recuo do governador. Vale destacar que a AL-BA está em recesso e só deve retomar suas atividades no dia 4 de agosto deste ano.
DEBATE ENTRE ENTIDADES
Neste mês de julho, o Bahia Notícias noticiou que o MP-BA defendia a medida como essencial para a autonomia financeira do órgão e ampliação de ações de interesse público, o Fecom e associações cartorárias alertam para riscos à gratuidade de serviços essenciais e à manutenção de cartórios deficitários.
Segundo a reportagem, dados apresentados ao Executivo, para o encaminhamento do projeto à Assembleia Legislativa da Bahia (AL-BA), mostram que entre 3% e 20% de custas cartoriais são utilizados para repasses ao MP dos respectivos estados.
Houve, então, o início de uma batalha de versões. Enquanto defensores do projeto argumentavam que o superávit acumulado teria sobrevida pelo menos até 2030, ainda que não houvesse ampliação das arrecadações, os críticos sugeriam que a mudança na legislação vai tornar inviável a manutenção de serviços gratuitos e de cartórios deficitários. Os primeiros asseguram que o Fecom manterá suas obrigações legais previstas, e os segundos queriam impedir que a medida entre em vigor.
Documentos obtidos dos relatórios anuais do Fecom entre os anos de 2022 a 2024, através do portal da transparência, bem como projeções da Secretaria da Fazenda (Sefaz), obtidos por fontes ligadas ao BN, mostram que o fundo acumulou superávit acima de R$ 30 milhões em dois anos. As mesmas informações projetam um saldo de caixa de R$ 280 milhões até 2025. Em 2023, por exemplo, as despesas foram de R$ 32,8 milhões, enquanto as receitas somaram R$ 177,7 milhões, indicando folga financeira.
Além disso, o superávit acumulado no Fecom não possuiria justificativa, já que o fundo não tem finalidade de represar recursos, mas de custear serviços específicos. Reajustes anuais de custas cartoriais, bem como a adoção de políticas de regularização fundiária desenvolvidas pelo Estado da Bahia e por municípios, gerariam a manutenção de projeções positivas de arrecadação para todos os beneficiários com a legislação proposta.
Segundo as associações cartorárias, a redução percentual pode, a longo prazo, comprometer a sustentabilidade do fundo. Eles citam projeções internas que indicam que, sem crescimento na arrecadação, o saldo cairia para R$ 42 milhões até 2030. Porém, análises técnicas da Sefaz, as quais o Bahia Notícias teve acesso, apontam que com crescimento anual de 10% na arrecadação, abaixo da média de 17%, o fundo se manteria estável.