Fato Verdade

O menino na varanda, a bola e a Copa do Mundo

O menino na varanda, a bola e a Copa do Mundo

O som abafado da bola de borracha batendo nas paredes da varanda acanhada conotava o entusiasmo com a Seleção Brasileira, com a Copa do Mundo. Foi bem ali na Rua Joaquim Laranjeiras, já perto do estádio Joia da Princesa, neste abafado dezembro feirense. Divago: não tenho certeza de que o entusiasmo com o futebol naquele espaço restrito tem a ver com a equipe canarinho. Mas tudo indica que sim: afinal, flagrei aquele bater febril na bola momentos antes de dois dos jogos da Seleção Brasileira. E só nesses momentos. Numa ocasião testemunhei até um diálogo:

-Que hora é o jogo do Brasil? – Indagou um garoto de uns cinco anos, na calçada oposta, do outro lado da rua.

-Quatro horas! – Respondeu, empolgado, o que batia na bola, que deve ter uns sete anos.

Imagino que o futebolista mirim – naquela varanda estreita, as paredes verdes – dava asas à imaginação enquanto batia na pelota, aguardando o jogo. Não estava ali, menino, naquele espaço restrito, chutando uma leve bola de borracha. Calculo que sua imaginação infantil levava-o aos grandes estádios do mundo, às partidas mais importantes, às decisões emocionantes, às jogadas mais geniais. Nelas, era o protagonista que assegurava a alegria de grandes torcidas, de imensas multidões.

Sei que o futebol desperta esses sentimentos mágicos, sobretudo em tempo de Copa do Mundo. Mundo afora, crianças dedicam-se com entusiasmo redobrado às suas pelejas que, mais à frente, vão se cristalizar em ternas recordações, embora somente alguns, pouquíssimos, realizarão o sonho do futebol profissional, da celebridade planetária. Mesmo assim, o futebol desperta inúmeras e intensas paixões e tudo começa na infância.

Nunca esqueci a Copa do Mundo de 1982. Tinha sete anos. No quintal de cimento de casa, em tardes inesquecíveis, via-me reproduzindo as grandes jogadas de Zico, Sócrates, Falcão e companhia. A magia durou enquanto a Seleção Brasileira sobreviveu na Copa. À frente vieram a Itália e Paolo Rossi – com seus três gols –, desmontando o sonho do tetra daquela geração de talento indiscutível. Na Rua da Palma prevaleceu uma desolação só. Os adultos não entendiam aquela desclassificação. Imaginem nós, as crianças.

Na sexta-feira, a Seleção Brasileira acabou eliminada. O silêncio pelas ruas feirenses foi eloquente. O silêncio e a desolação: pouca gente pela rua, nenhuma animação. Fiquei pensando no menino que chutava sua bola na varanda de casa. Terá chorado, ficou inconformado com o resultado? Provavelmente sim. Antes do jogo, o brilho infantil no olho sinalizava entusiasmo, empolgação com a Seleção. Não deve ter sido fácil aceitar a derrota.

Para quem é criança, mais à frente, a dor do fracasso vai se converter em experiência, as decepções esportivas se avolumam ao longo da vida. Mas o menino que todo mundo foi – entusiasmado com a Copa, com o clima festivo, com a empolgação dos adultos, sempre tão chatos! – ah, isso não vai se perder e sobreviverá como uma das grandes recordações da infância…

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